2011-02-22

MusiContos - A Horse With No Name parte 2

Pois é, a partir daquele dia, paz não era mais algo possível, todo e qualquer momento que eu tinha livre eu voltava em pensamentos para aquele que me pareceu uma eternidade ao mesmo tempo um dos momentos mais rápidos da minha vida, aquele Mustang desfilando parecia ser dotado de vida e vontade própria, aquele velho bizarro não podia ser o Cavaleiro escolhido por aquela maquina indomável era eu que era que tinha de guiá-lo.

Passei a noite seguinte imaginando como seria entrar naquele carro e acelerar rumo ao horizonte, sem me preocupar muito com mais nada, só eu, o carro e o deserto. Este tipo de sentimento soava completamente estranho dentro de mim, não fazia o mínimo sentido, nunca havia sentido nada como isso antes, então neste momento me dei conta de um detalhe bizarro, alguns poderiam até dizer que é triste e outros vergonhosos, mas eu enquadro isso apenas como bizarro, eu jamais quis nada na minha vida, tudo que eu tenho, me foi dado, me foi arranjado ou me foi oferecido, pela primeira vez eu desejava algo e posso dizer que é uma sensação que beira a insanidade e pode facilmente nos mergulhar em loucuras, o que obviamente é o meu caso, sem experiência alguma de como agir para atingir meus anseios, fiz o mais lógico simplesmente tentei fazer algo.

Levantei-me no meio da noite, de forma alguma conseguiria dormir mesmo, então, coloquei uma roupa as pressas e comecei a caminhar a esmo na cidade, bolando um plano de como ao menos eu poderia chegar perto dele, andando e andando quando dei por mim estava a pouco mais de uma centena de metros da mansão do Coronel, que ficava em um dos extremos daquela ridiculamente pequena cidade.

-Você podia se aproximar e tentar olhar ao menos o carro, o Coronel está dormindo e esse bando que ele chama de meninos dele, não passam de imbecis estúpidos demais para fazer qualquer coisa que não seja segurar uma arma ou bater nos outros.

Esta “conversa” foi algo que vem se repetindo razoavelmente nas ultimas horas, sou eu, conversando comigo, olhando agora da pra perceber o quão ridículo é um cara falar sozinho, ainda mais quando ele tenta se convencer a que a estupidez que ele vai fazer não é tão grande, mas triste mesmo é o fato de eu ser convencido por mim mesmo, nunca fui um argumentador extremamente convincente, contudo também nunca fui uma mente extremamente blindada a convencimentos, diga-se de passagem sempre fui bem influenciável.

O Coronel morava em um casarão de 2 andares, cercado por um muro não muito alto, acho que apenas uns 30 ou 40 cm mais altos do que eu, segurança não era uma preocupação constante do Coronel, precisaria ser louco pra tentar algo contra ele, a casa parecia um cubo gigante, nada muito elegante, mas pros padrões daquele lugar, era um primor, na lateral da casa havia um segundo cubo um pouco menor, com uma grande porta de madeira que podia ser levantada em trilhos para entrar e sair os brinquedos dele.

- Você só precisa dar a volta na casa procurar um ponto onde nenhum dos imbecis do Coronel esteja olhando, e de lá entrar, olhar o carro quem sabe até tocar nele e sair.

Plano perfeito não? Entrar, olhar, tentar tocar e sair. Sai da ruazinha que seguia para a casa do Coronel e seguindo o muro dei a volta na casa até um ponto nada vigiado, sem muitas dificuldades pulei o muro e comecei a caminhar em direção da garagem, tenso olhando em volta procurando algum dos capangas, mas por sorte não havia ninguém. Cheguei até a porta corrediça da garagem e por algum motivo que julguei sensato na hora, provavelmente, usando das minhas recém descobertas habilidades de argumentação, me convenci que era uma boa idéia, então escancarei o portão de madeira e a vi ali parada a uns 10 passos a minha frente. Visto assim de perto ela parecia ainda mais linda e mais uma vez tive a clara impressão que aquele corcel selvagem havia escolhido a mim para ser seu Cavaleiro, estava hipnotizado por aquela maquina caminhando em sua direção com a mão esticada pra frente, tão hipnotizado e distraído que não ouvi o ladrar dos cães do Coronel. Alguns minutos depois eu já havia estava preso, e estava acordando em algum lugar dentro da casa do coronel e nem sequer havia tocado no carro.

Acordei em uma sala mal iluminada, com alguns barris e galões espalhados, como toda certeza minha péssima sorte não me abandonara, alias não posso dizer simplesmente que acordei afinal um balde de água na cara é um modo bastante peculiar de ser despertado. Na minha frente alguém vestido em um roupão furioso, vomitando frases em meio a gritos como “Logo você”, “seu pai” , “você me deve’ e “ seu traidor”. Não consegui prestar atenção nas palavras dele, minha cabeça doía demais e ainda assim eu mantinha meu pensamento no carro e na frustração de não ter conseguido sequer tocar nele. Um tempo depois ele deve ter se cansado de gritar em vão, então falou algo inaudível para um cara particularmente grande que se aproximou e me acertou um soco na boca do estomago, percebi então que eu não estava amarrado nem nada, pois cai da cadeira onde estava sentado tomei mais um ou dois chutes na barriga mais alguns nas costas, senti ais de um pé me agredir e deduzi que estava apanhando de alguns dos meninos do Coronel, fui jogado num canto da sala semiacordado e eles me deixaram lá.

Por algum motivo não desmaiei e em meio a gemidos e grunhidos percebi que a sala onde eu estava cheirava a gasolina e era provavelmente um depósito do Coronel, após uns minutos parei de ouvir vozes muito próximas então arrisquei me levantar sentindo dores no corpo todo e principalmente na cabeça que ainda rodava furiosamente, aos poucos percebi que estava em um deposito adjunto a garagem do coronel, onde havia alguns galões da gasolina, barris de óleo, e mais uma infinidade de tranqueiras, cambaleei até a porta da garagem e vi que havia um dos rapazes do Coronel andando na entrada dela com um rifle no ombro e fumando, ele andava de vez em quando indo pra longe da porta em direção ao muro lateral da casa e em uma dessas presumi que ele deva ter encostado por lá e ficado, voltei pra dentro do galpão peguei alguns galões de combustível, coloquei no porta malas do Mustang me sentei atrás do volante e então me lembrei que não fazia ideia do que estava fazendo. Muito menos de como ligar um carro sem a chave......e a chave ali se encontrava, encaixada no contato como um convite e uma consagração da escolha que o carro fizera por mim. Liguei o carro. O Motor bradou desesperadamente se enchendo de gasolina e eu acelerei rumo a porta, sai da garagem, e olhei para o lado a tempo de ver que o capanga do coronel vinha agora Correndo, atrás do carro sem saber se atirava ou não com medo de estragar o carro do patrão, pus abaixo o portão de madeira com a frente do carro, cometendo o pecado de arranhar sua belas faixas do capô, ao que tudo indica o Mustang não se importou, deve até ter apreciado estar livre novamente e recompensou minha acelerada desenvolvendo uma velocidade insana, cortei as ruas daquele fim de mundo rumo a liberdade minha e de meu novo amigo com coração em V de 316 HP, deixamos para sempre aquele inferno.

Não faço ideia para onde vamos agora, provavelmente o Coronel deve estar atrás da gente, e provavelmente cedo ou tarde nos pegará a desertos para todos os lado fora as cidades próximas, que são tão enormes quanto a minha e onde mesmo que não mande ele tem conhecidos e influência, mas não tem problema, e antes que alguém se pergunte por que não abandonar o carro e fugir, eu jamais faria isso a um amigo, ele é tudo que eu tenho, a única coisa que eu quis em toda minha vida, a única loucura que me tirou da mesmice que eu vivia e me trouxe algo gratificante, depois de anos quando estou prestes a morrer me sinto vivo pelo primeira vez.

Coronel, provavelmente quando vocês me pegarem você achará esta carta no porta luvas do carro, não entenda minha atitude como ingratidão ou algo pessoal contra você, foram obras do acaso só isto.

Nas guerras eu soube que os soldados costumavam nomear os carros, as vezes com nome de esposas ou namoradas para sentir-se mais próximo das pessoas amadas, mas acho que eu e este Mustang não precisamos disto, todo que eu poderia sentir saudade ou falta é ele.

Um comentário:

Odair disse...

Olá Ricardo, me diga uma coisa.
Você é o Ricardo do Santos Correia de Souza? Estudante da Mackenzie?

Se realmente for, por favor entre em contato comigo, tenho algo comigo que pertence a você.

ratcidas@hotmail.com